Originalmente conhecida como Lei Imperial n° 3.353, a Lei Áurea foi responsável por dar fim ao regime escravagista no Brasil. O projeto de lei, inspirado por ideais abolicionistas, foi formulado e apresentado ao Senado Imperial Brasileiro por Rodrigo Augusto da Silva, no dia 11 de maio de 1888. Dois dias depois, a princesa Isabel sancionou a Lei da Liberdade.

O que é a Lei Áurea

Com o objetivo de extinguir a escravidão, a Lei Áurea, sancionada em 13 de maio de 1888, é fruto de um processo marcado por outras leis que tinham a pretensão de tardar o trabalho escravo. A seguir, entenda o contexto histórico que motivou a criação da lei.

Contexto histórico

O historiador José Murilo de Carvalho destaca que desde a segunda metade do século XIX, com o fim do tráfico negreiro, o abolicionismo tornou-se cada vez mais irresistível. Contudo, mesmo com o crescimento desse movimento, houve um grande percurso até a libertação dos escravos. Uma das primeiras ações tomadas, portanto antecede a Lei Áurea, ocorreu em 1850, com o decreto da Lei Eusébio de Queirós, proibindo o tráfico negreiro no Brasil.

Somado a isso, houve a Lei do Ventre Livre (1871): os filhos de escravas nascidos a partir desse ano eram declarados livres, desde que prestassem um determinado tempo de serviço. A última ação política tomada antes da abolição foi a Lei de n° 3.270, de 28 de setembro de 1885, conhecida como Lei dos Sexagenários, determinando a libertação dos escravos com mais de 60 anos.

Por motivos de saúde, Dom Pedro II se afasta da governaça e a Princesa Isabel assume a regência do império em 1887. Nesse período, o tema da abolição estava em alta e a causa ganhava cada vez mais adeptos devido à ação dos abolicionistas tanto nos espaços do fazer político como entre o próprio povo.

Mais engajada na causa abolicionista, Isabel tinha laços estreitos com muitos dos líderes da causa, como Joaquim Nabuco, André Rebouças, José do Patrocínio e outros. Conforme aponta o historiador carioca Evaristo de Moraes, a princesa chegou até mesmo a abrigar escravizados fugidos, e deixou muitos da elite imperial descontentes.

Uma das principais ações executadas pela princesa regente foi a troca do chefe do Poder Executivo, tirando o Barão de Cotegipe e inserindo em seu lugar João Alfredo. Um dos motivos que contribuiu para tal medida foi o fato do Barão de Cotegipe considerar impertinente muitas das propostas da princesa, como a reivindicação da abolição.

A Lei Áurea e sua repercussão nacional

Assinada pela Princesa Isabel e por Rodrigo Augusto da Silva, a Lei Áurea teve uma repercussão nacional imensa, especialmente pelo seu significado. Ela marca o fim de um regime que durou mais de três século.

Segundo Evaristo de Moraes, no dia 13 de maio, enquanto a princesa regente caminhava para o Palácio do Paço, “fora o edifício invadido por pessoas de todas as classes sociais. Ao derredor dele, moviam-se para mais de cinco mil pessoas, presas de transbordante entusiasmo, numa expansão incoercível de sentimentos efusivos”. A seguir, confira a lei na íntegra:

“A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:
Art. 1°: É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil.
Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.
Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nella se contém.
O secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comercio e Obras Publicas e interino dos Negócios Estrangeiros, Bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr.
Dada no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1888, 67º da Independência e do Império.
Princeza Imperial Regente.”

Além das repercussões imediatas em torno da abolição, isto é, a libertação dos escravizados, houve manifestações populares e festas em diversas cidades em comemoração à sanção da lei pela Princesa Isabel, elogiada amplamente pelos abolicionistas e políticos liberais do império. Com o título de “Redentora”, dado por José do Patrocínio, Isabel ainda precisou enfrentar a crise final do regime monárquico e o descontentamento dos escravocratas.

Consequências da lei Áurea: entre a liberdade e a crise da monarquia

A Lei Áurea desencadeou algumas consequências na sociedade brasileira pós-abolição, entre elas:

  • Descontentamento dos latifundiários e escravocratas: a abolição da escravatura ocasionou a perda de mão de obra e de força produtiva aos senhores de escravos. Em uma indenização do Estado, muitos deles perderam suas riquezas.
  • Fortalecimento do Movimento Republicano: insatisfeitos com os desdobramentos da Lei Áurea, muitos escravocratas começaram a apoiar o movimento republicano que, lentamente, crescia no país, especialmente nos quartéis militares.
  • Não execução de políticas de amparo aos libertos: a ausência de políticas de inserção e amparo aos ex-escravizados ajudou a propagar outro tipo de exploração, o trabalho em troca de comida e um lugar para dormir.
  • Marginalização da população negra nas cidades: sem terras para habitarem, a maioria dos 700 mil libertos, a partir de 1888, foram forçados a se submeterem a salários baixos e moradias precárias. Tal condição histórica contribuiu para a marginalização dos libertos. Além disso, muitos não foram inseridos no sistema educacional, cooperando ainda mais para a propagação do racismo.
  • Crise no regime monárquico: há uma relação direta entre a Lei Áurea, a abolição da escravidão e a queda da monarquia no Brasil. Com os latifundiários apoiando a causa republicana, houve uma maior adesão dos ideais republicanos.
  • Aumento da mão de obra assalariada de imigrantes europeus: devido a uma noção eurocêntrica e preconcebida, os latifundiários viam os negros como incapazes de se adaptar ao regime assalariado de trabalho. Assim, muitos imigrantes oriundos da Europa foram contratados.

Vale destacar que esses desdobramentos devem ser compreendidos em suas relações históricas, pois é dentro dessas inter-relações que o Brasil contemporâneo vai ganhando forma.

Quais foram os desdobramentos da Lei Áurea?

Historicamente, por mais que a abolição tenha ocorrido de forma gradual, o dia 13 de maio de 1888 marcou o fim da escravidão no Brasil. Entretanto, nem tudo foi um mar de flores. Esse período é marcado por contradições: embora libertos, os negros continuaram cativos.

O desejo dos ex-escravizados por uma vida melhor é representado por meio de um registro resgatado pela historiadora Wlamyra Albuquerque, onde é possível ver um grupo de libertos de Paty do Alferes, no Rio de Janeiro, redigir uma carta para o polímata brasileiro, Rui Barbosa: “Nossos filhos jazem imersos em profundas trevas. É preciso esclarecê-los e guiá-los por meio da instrução”.

Segundo o historiador Walter Fraga, houve uma migração dos ex-escravizados para as cidades, tanto como forma de se distanciarem das fazendas onde eram escravizados como para obterem melhores trabalhos e salários. Somado a isso, houve uma forte reação dos proprietários de terras e das autoridades, que compreendiam algumas ações dos libertos como “vagabundagem”.

Sem uma distribuição de terra ou salário digno, muitos libertos se concentraram em lugares considerados indesejáveis para habitação, cooperando para desdobramentos históricos que permanecem até hoje.

Apesar das contradições decorrentes dos seus efeitos, a Lei Áurea foi um grande marco na história brasileira. Ainda assim, é importante saber que ela não foi a salvadora da pátria, muito menos garantiu todos os direitos que os libertos deveriam ter para uma vida minimamente digna.

Curiosidades sobre a lei da liberdade

Com o objetivo de explorar mais o tema em suas mais variadas facetas, confira abaixo algumas curiosidades sobre a Lei Áurea, denominada em seu contexto como Lei da Liberdade.

  • A palavra “áurea” significa “ouro” e foi utilizada para referenciar um novo período “iluminado” que surgia no país;
  • Em 17 de maio, foi rezada uma missa campal em frente ao Paço de São Cristóvão (atual Museu da Quinta da Boa Vista), no Rio de Janeiro, onde esteve presente o escritor Machado de Assis;
  • Por coincidência, os debates parlamentares se estenderam até 13 de maio, data de nascimento de Dom João VI (1767-1826) de Portugal, bisavô da Princesa Isabel. Por isso, dia 13 de maio é comemorado o “Dia da Abolição da Escravatura”;
  • No dia da abolição da escravatura, estavam presentes dentro e ao redor do Palácio do Paço mais de 5 mil pessoas de diversas classes sociais;
  • O Regime Escravista já havia sido abolido no Ceará no dia 25 de março de 1884, quatro anos antes da Lei Áurea.

Essas curiosidades formam um dos eventos históricos mais importantes da história do Brasil, marcando um rompimento político na sociedade brasileira: a queda da monarquia.

Vídeos sobre a Lei da liberdade

Confira alguns vídeos para entender um pouco mais sobre o assunto e ter maior dimensão diante de um dos maiores marcos na historia do Brasil:

A Lei Áurea e seus anecedentes

Em maio de 1888, o governo apresentou o projeto de lei que abolia a escravidão no Império, o Senado e a Câmara discutiram e aprovaram a proposta, e a princesa Isabel colocou sua assinatura na célebre Lei Áurea. Antes disso, porém, várias iniciativas haviam questionado a realidade escravocrata do Brasil. Neste vídeo, conheça os principais eventos que antecederam a abolição da escravatura no país.

As raízes do abolicionismo no Brasil

Nesse vídeo, confira sobre quais foram as motivações do movimento abolicionistas na sociedade brasileira, bem como suas características, principais nomes e trajetórias.

A escravidão retratada imageticamente

Esse vídeo, produzido pelo Instituto Moreira Salles, apresenta uma exposição sobre as fotografias de um dos maiores fotógrafos do século XIX, Marc Ferrez. Comentado pela historiadora Ynaê Santos, as fotografias são vistas como documentos históricos e, portanto, passíveis de problematização.

Por mais que a Lei Áurea tenha sido sancionada há mais de um século, os ideais que formaram a lei como um todo continuam sendo relevantes para o combate de toda forma de regime que retira a dignidade e liberdade de todo e qualquer ser humano. Para conhecer mais sobre isso, leia sobre o abolicionismo.

Referências

A Escravidão Africana no Brasil: das origens à Extinção (2021) — Evaristo de Moraes
Escravidão e Cidadania: a experiência histórica de 1871 (2003) – Sidney Chalhoub
Dicionário da Escravidão e liberdade (2018) — Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Starling

Exercícios resolvidos

1. [UERJ]

A assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, reuniu uma multidão em frente ao Paço Imperial, no Rio de Janeiro.

Essa ideia de que as pessoas saíram correndo e comemorando, isso é lenda. Depois do 13 de maio, meu bisavô e a maioria dos escravos continuaram vivendo onde trabalhavam. Registros históricos mostram que alguns receberam um pedaço de terra para plantar. Mas poucos passaram a ganhar ordenado, e houve quem recebesse uma porcentagem do café que plantava e colhia − conta o historiador Robson Luís Machado Martins, que pesquisa a história de sua família, e a do Brasil, desde a década de 1990.

Adaptado de O Globo , 12/05/2013.

A fotografia e a reportagem registram aspectos particulares sobre os significados da abolição, os quais podem ser associados aos seguintes fatores do contexto da época:

A) Crise monárquica − exclusão social
B) Estagnação política − ruptura econômica
C) Expansão republicana − reforma fundiária
D) Transição democrática − discriminação profissional

A) Crise monárquica − exclusão social

Por mais que não haja uma relação direta entre a Lei Áurea, a abolição da escravidão e a queda da monarquia no Brasil, ainda assim, é possível relacionar as causas, visto que foi devido ao apoio dos latifundiários à causa republicana que foi possível uma maior adesão dos ideais republicanos.

2. [UNICAMP]

Os números indicam que antes da abolição de 1888 restavam pouco mais de setecentos mil escravos no Brasil. Conforme estimativa do censo de 1872, elaborada pelo IBGE, a população total do país era de 9.930.478 habitantes. Isso indica que grande parte da população de cor (pretos e pardos) já havia adquirido a liberdade por seus próprios meios antes da Lei Áurea.

(Adaptado de Wlamyra Albuquerque, A vala comum da ‘raça emancipada’: abolição e racialização no Brasil, breve comentário. História Social, Campinas, n. 19, p. 99, 2010.)

Com base no excerto e nos conhecimentos sobre a história da liberdade no Brasil, assinale a alternativa correta.

A) A maioria da população negra já era liberta antes de 1888, porque as províncias escravistas do Sudeste, almejando abrirem-se para a imigração italiana, vinham adotando medidas abolicionistas desde o fim do tráfico, em 1850.
B) Em termos globais, o grande percentual da população livre de cor reflete o peso demográfico da população liberta concentrada nas províncias pouco dependentes da escravidão, como Santa Catarina e Paraná.
C) A maioria da população africana e seus descendentes já era livre quando a Lei Áurea foi aprovada, porque vinha obtendo alforrias através de uma multiplicidade de estratégias, desde o período colonial.
D) O alto número de libertos antes de 1888 reflete o impacto da abolição dos escravos por parte do Imperador D. Pedro II, pois a família real era a maior proprietária de cativos durante o século XIX, na região do Vale do Paraíba.

C) A maioria da população africana e seus descendentes já era livre quando a Lei Áurea foi aprovada, porque vinha obtendo alforrias através de uma multiplicidade de estratégias, desde o período colonial.

A Lei Áurea deve ser entendida dentro de um processo histórico orgânico e marcado por ações ativas por parte dos escravizados, tendo em vista que muitos escravos conseguiam a alforria ou, como em muitos casos, resistiam ao regime por meio da fuga.

3. [UNICENTRO]

“A Lei Áurea era mesmo popular e conferia nova visibilidade à princesa Isabel e à Monarquia. No entanto, politicamente, o Império tinha seus dias contados ao perder o apoio dos fazendeiros do Vale do Paraíba. Apesar do clima de euforia reinante, parecia ser o último ato do teatro imperial. […]. Nos jornais e nas imagens da época, Isabel passa a ser retratada como uma santa a redimir os escravos, que aparecem sempre descalços e ajoelhados, como a rezar e a abençoar a padroeira. Já a princesa surge de pé e ereta, contrastada com a posição curvada e humilde dos ex-escravos, que parecem manter a sua situação – se não mais real, ao menos simbólica. Aos escravos recém-libertos só restaria a resposta servil e subserviente, reconhecedora do tamanho do “presente” recebido. Estava inaugurada uma maneira complicada de lidar com a questão dos direitos civis. Sem a compreensão de que a abolição era resultado de um movimento coletivo, permaneceríamos atados ao complicado jogo das relações pessoais, suas contraprestações e deveres: chave do personalismo e do próprio clientelismo. Nova versão para uma estrutura antiga em que as relações privadas se impõem sobre as esferas públicas de atuação. Como se fôssemos avessos a qualquer associação com a violência, apenas reproduzimos hierarquias que, de tão assentadas, pareciam legitimadas pela própria natureza. Péssima lição de cidadania: a liberdade combinada com humildade e servidão, distante das noções de livre-arbítrio e de responsabilidade individual. ”

SCHWARCZ, Lilia. Abolição como Dádiva. In: FIGUEIREDO, Luciano (org.) A Era da Escravidão. Rio de Janeiro: Sabin, 2009, p. 88-90.

A respeito da Lei Áurea é correto afirmar

A) Além da liberdade, foi concedida para cada ex-escravizado uma gleba de terras para que pudesse trabalhar e manter sua família.
B) Foi estipulada uma indenização individual de um conto de réis para cada ex-escravizado a título de indenização pelo seu trabalho compulsório anterior.
C) A lei estipulou um sistema jurídico que punia como crime contra a humanidade qualquer forma de exploração e preconceito.
D) A Abolição da escravidão proporcionou, ao Imperador Pedro II, maior apoio dos cafeicultores e, dessa forma, protelou a Proclamação da República.
E) A assinatura da Lei Áurea não significou o fim do preconceito racial e não propiciou acesso à terra ou a qualquer outra forma de indenização às populações libertas.

E) A assinatura da Lei Áurea não significou o fim do preconceito racial e não propiciou acesso à terra ou a qualquer outra forma de indenização às populações libertas.

A Lei Áurea decreta e formaliza a libertação dos escravizados, porém não efetiva isso na vivencia social.

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