Arqueologia: Uma civilização perdida, e muito (mas muito mesmo) à frente de seu tempo, os tripilianos, demonstravam uma preocupação menor com o progresso técnico, favorecendo, em vez disso, a consciência espiritual.

A história da Trypillia, como é comumente conhecida, teve início há 7.000 anos na Europa Oriental, principalmente na Moldávia, Romênia e Ucrânia. Os assentamentos escavados oferecem aos arqueólogos modernos um dos primeiros exemplos conhecidos de urbanização, indicando uma população que ultrapassou um milhão de pessoas.

Acredita-se que o povo de Trypillia implementou quase todas as inovações tecnológicas do seu tempo. Avançados fornos sustentavam cerâmica sofisticada, decorada com padrões e cores. As técnicas de construção permitiam edifícios de até 700 m². Os objetos encontrados indicam uma cultura que reverenciava deusas. Assim, ao examinar as ruínas da Trypillia, somos transportados para uma época onde a inovação tecnológica e a devoção cultural se entrelaçavam, construindo uma civilização que, embora silenciada por um período, agora ressurge para contar sua fascinante história.

Inícios das escavações arqueológicas

A pesquisa sobre Trypillia foi iniciada pela União Soviética, que financiou projetos arqueológicos. As autoridades comunistas exploraram os paralelos entre a impressionante civilização antiga e a ideologia marxista, que defende uma sociedade sem classes e sem propriedade privada. Dessa maneira, Trypillia era uma ilustração maravilhosa de uma sociedade pré-classe e sem classes, ou de um “comunismo primitivo”. Entretanto, quando surgiram indicações de que Trypillia talvez não tenha sido a utopia sem classes inicialmente retratada, as perspectivas mudaram rapidamente.

Uma vez que os arqueólogos escavam, começaram a descobrir megassítios da civilização Trypillia. Encontraram edifícios enormes, e dessa maneira, surgiu o questionamento: será que tudo isso poderia ser obra de uma sociedade verdadeiramente sem classes?

Assim, os pesquisadores que desafiaram a propaganda oficial foram considerados inimigos do Estado. Arqueólogos fugiram e alguns foram condenados como membros de uma suposta organização de espionagem terrorista. Livros que promoviam o estudo de Trypillia foram publicados fora do país, mas, esses nunca chegaram à Ucrânia. Estavam pesquisando algo, mas quase ninguém (na Ucrânica) sabia e aqueles que sabiam permaneceram em silêncio, por medo da retaliação.

Pioneirismo de Trypillia

Esta foi a primeira no planeta Terra ao fundir metal e construir cidades. Enquanto o pão e o metal ainda eram desconhecidos no continente europeu, as pessoas dessa época já aravam e semeavam campos, cortavam árvores com machados de cobre para construir suas casas e igrejas. Enquanto os primeiros estados antigos, como Suméria, Egito e Tiahuanaco, estavam apenas surgindo, as cidades de Trypillia já estavam em ruínas. Na América e em outras partes do mundo, as pessoas começaram a moldar cerâmica e cultivar plantas quando essa civilização já havia desaparecido.

Os cientistas a identificam como um ramo de uma antiga civilização europeia que emergiu após o Dilúvio. Vestígios dessa civilização da Idade do Cobre foram descobertos pela primeira vez há mais de 200 anos, nas proximidades da pequena cidade de Trypillia (traduzida do ucraniano como “Três Campos”), a 40 km ao sul de Kiev. Daí o nome “Civilização Trypillia”.

Essa civilização prosperou entre 5.500 e 2.750 a.C. numa vasta área de 350.000 km², estendendo-se desde os Montes Cárpatos até o rio Dnipro. A maior parte dessa área corresponde atualmente à Ucrânia, enquanto o restante abrange a Romênia e a Moldávia. Em diferentes períodos e segundo várias estimativas, sua população pode ter variado entre 400.000 e 2 milhões de habitantes.

Como era vida em Trypillia?

Pelas escavações foi possível descobrir como era a vida dos tripilianos. Onde esses viviam em estranhas casas de dois andares, onde o térreo era para utensílios domésticos e gado e o superior para pessoas. Eles recebiam aquecimento de bois e vacas (prática comum na Europa Feudal). As janelas eram redondas como iluminadores de nave e a soleira da porta da frente era alta. Acredita-se que eles nunca trancavam as portas.

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As mulheres de Trypillia faziam farinha usando moedores de pedra pesados, sendo que e essa técnica não mudou durante milhares de anos. Além de pintarem as paredes de suas casas (externas e internas) junto com os utensílios domésticos, ferramentas agrícolas, talheres e estatuetas. Eles desenvolveram uma maneira única de pintar animais e pessoas, enquadrando seus contornos em ornamentos.

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A vida, baseada em um sentido sagrado e de vários rituais onde tudo tinha um significado especial. Roupas, casas, atividades sociais e até utensílios comuns eram sagrados. Por exemplo, os seus navios deveriam proteger tudo o que continham – desde a água até às cinzas dos mortos, que eles queimavam em vez de enterrarem.

Símbolo e sinais

Os sinais e símbolos pintados nos jarros Trypillia não são apenas meras representações de rituais. Eles constituem protótipos de ícones, alguns arqueólogos afirmam que é uma origem da linguagem escrita, umas vez que esses sinais representam um elo essencial que se aproxima do que mais tarde evoluiria para a escrita.

E dessa maneira, sendo uma das poucas fontes de informação sobre a civilização Trypillia que resistiu aos milênios de história. Diferentemente de culturas que deixaram pirâmides, igrejas de pedra ou estelas, a Trypillia deixou apenas cerâmica pintada (e isso é incrível, estamos falando de 5.500 e 2.750 a.C).

Podemos dizer que foi uma cultura que influenciou as outras culturas?

Alguns (e eu também) acreditam que sim, afinal os ornamentos de Trypillia incorporam símbolos que “surgiriam” milênios mais tarde em outras partes do globo, tornando-se fundamentais em grandes religiões, como o Yin-Yang, a Suástica e a Cruz, todos derivados da Cultura Trypillia. No entanto, o símbolo primordial era a espiral, universal e infinita.

As estatuetas femininas de barro misturado com farinha de centeio, criadas pelos tripilianos, diferenciavam-se por corpos esbeltos e discretos indícios de gravidez. A maternidade era central em sua religião, reverenciando a Grande Deusa Mãe no Divych Hora (Virgin Hill), com vista para o Dnipro, onde homens não podiam entrar.

Assim como as mulheres de todas as eras, as mulheres de Trypillia apreciavam adornos que não era simples vaidade, sendo amuletos feitos de argila, conchas, cobre e ouro. Vestindo vestidos retos e justos, adornados com bordados e tecidos, suas roupas não apenas as protegiam do frio, mas também de espíritos malignos e bruxaria.

Entre os artefatos descobertos nas escavações estava uma estatueta feminina sentada em um trono, com o formato de uma cabeça de boi. Nessa cultura, o Boi personificava a entidade masculina, enquanto a Vaca, a feminina, representava o início da Natureza, da Vida e de tudo, sendo estes animais sagrados e símbolos de fertilidade (nota-se alguma semelhanças com outras religiões e culturas?).

Os tripilianos também criavam porcos, ovelhas e aves, sendo considerados como os primeiros a domesticar o cavalo no planeta (há controvérsias, principalmente com os chineses). Além dos artefatos cerâmicos, existem objetos cujo propósito e significado só podemos conjecturar e imaginar, como o chamado “Binocular Trypillia” – um intrigante artefato que assemelha-se a dois jarros unidos.

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O propósito do “binóculo” é um mistério. Pode ter sido um tambor, um vaso, um símbolo de lealdade conjugal ou talvez tinha papel em rituais para atrair chuva. Essa forma não é encontrada em nenhuma outra civilização, porém era abundante em Trypillia.

Embora os tripilianos fossem agricultores altamente hábeis, não aprimoraram os métodos de agricultura extensiva. Esgotando os campos em seis ou sete décadas, optaram por incendiar todas as suas casas e se mudar para novas localidades. Essa prática se dava porque o fogo era sagrado (novamente, será que foi uma influência para o funeral Viking?). Acreditavam que tudo – solo, casas, animais e pessoas – precisava passar por uma purificação pelo fogo (o catolicismo tem uma purificação assim, em Números 31:23 – Toda a coisa que pode resistir ao fogo, fareis passar pelo fogo, para que fique limpa,). Assim, incendiavam suas cidades natais após cada geração como parte de suas crenças e rituais.

A misteriosa caverna

Em 1828, camponeses da aldeia de Bilche-Zolote, na região de Ternopil, no centro-oeste da Ucrânia, descobriram acidentalmente uma caverna que se tornaria a Meca para arqueólogos e turistas de todo o mundo.

O príncipe polonês Leon Ludwik Sapieha, proprietário da vila, reuniu uma coleção de milhares de artefatos Trypillia. Esses foram restaurados cuidadosamente e muitos desses artefatos foram exibidos em museus em Cracóvia, Viena e outras cidades europeias.

Os habitantes chamam a caverna de Verteba, termo que, em seu dialeto, significa “ravina” ou “desfiladeiro”. Escondida entre arbustos, a entrada é notavelmente difícil de encontrar e dessa maneira permitindo que o local tenha ficado escondido por milhares de anos.

A caverna Verteba…

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Entrada da Caverna Verteba.

É uma série de enormes salões subterrâneos sustentados por centenas de pilares e ligados por labirintos. O arqueólogos ainda estão debatendo para que servia. Alguns afirmam que era uma espécie de centro sacro, como Stonehenge, na Inglaterra. Outros acreditam que foi o esconderijo dos tripilianos nos últimos séculos de sua existência. Quando as tribos belicosas do norte começaram a invadir as terras férteis a oeste do curso médio do Dnipro, os tripilianos se esconderam na caverna subterrânea onde a temperatura nunca sobe acima de +9° C. Muitos se perguntam como gerações daquelas pessoas puderam viver lá por vários séculos.

A caverna Verteba não foi apenas um refúgio para os tripilianos. Durante a Segunda Guerra Mundial, os judeus esconderam-se ali dos nazistas e, depois da guerra, os combatentes da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN) e do Exército Insurgente Ucraniano (UPA) esconderam-se ali dos soviéticos durante quase uma década.

Existem milhares de artefatos na caverna que podem ser encontrados a cada passo. Os arqueólogos deixaram alguns deles como estavam, apenas limpando o espaço ao seu redor.

Como tudo dessa civilização é cheia de mistério

A caverna Verteba guarda muitos segredos. Por exemplo, como é que os habitantes o iluminavam quando não tinham lâmpadas? A pista pode ser numerosos vestígios de lareiras e manchas de fumaça nas paredes. Alguns arqueólogos presumem que se os tripilianos fizessem fogueiras a cada 10 metros de distância, aparemtemente, nunca usando tochas ou lâmparinas. Fato esse que levanta a questão por que os tripilianos nunca se importaram com o progresso técnico.

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Exposição no interior da Caverna Verteba

Sendo assim, antes de sua civilização deixar de existir, eles aprenderam a pintar melhor e com mais requinte do que poucos antes da Renascença. Talvez eles tenham visto o sentido de sua vida em sua perpetuidade inalterada, em alcançar a imortalidade. A sua arte, cultura e estilo de vida não parecem deste mundo. Eles estavam milénios à frente da sua idade, vivendo talvez no futuro com que Robert Heinlein, Isaac Asimov, George Orwell ou outros escritores apenas sonharam.

Os tripilianos não caíram no esquecimento. Sendo assim, eles ainda estão entre nós e o seu código genético está nos nossos corpos e almas. Portanto, todos aqueles que viveram nesta terra durante os últimos cinco milénios, cozinhando pão, fundindo metal, construindo aldeias e cidades e criando obras de arte, são descendentes dessa grande civilização antiga.

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