O governo Lula (2003-2010) foi revolucionário em muitos setores, como na Educação, com o ProUni, na assistência social, com o Bolsa Família e, sobretudo, na política externa, em que o país foi visto mundialmente como uma potência econômica. O governo também sofreu com escândalos de corrupção, sendo o Mensalão o mais conhecido.
A eleição de Lula
Luiz Inácio Lula da Silva começa na política a partir dos movimentos sindicais no ABC paulista nas décadas de 70 e 80, durante a ditadura militar e ajuda a criar o Partido dos Trabalhadores (PT) em 1980. Tornou-se uma das principais figuras das Diretas Já e é eleito deputado federal em 1986.
Lula lança sua primeira candidatura à presidência em 1989, mas perdeu no segundo turno para Fernando Collor de Mello. Depois, saiu candidato em 1994 e 1998, mas perdeu para Fernando Henrique Cardoso (FHC) nas duas eleições. É finalmente eleito em 2002, compondo a chapa com José Alencar como vice-presidente. Em 2002, derrotou José Serra e, em 2006, Geraldo Alckmin.
Em 2022, Lula saiu novamente candidato à presidência, com Alckmin em sua chapa, na composição de uma frente ampla (criada por partidos de esquerda, centro e direita) para derrotar o candidato à reeleição da extrema-direita, Jair Bolsonaro. Em uma eleição apertada, Lula venceu com 60.345.999 milhões de votos, equivalentes a 50,90% da população votante. Seu terceiro mandato tem início no dia 1º de janeiro de 2023.
Como foi o governo Lula?
Como primeiro governo de centro-esquerda desde a redemocratização, o governo Lula atingiu conquistas importantes, sobretudo para a população mais pobre, mas também foi responsável por colocar o Brasil nas discussões mundiais. Mesmo as tantas melhorias não isentaram o governo de sofrer com escândalos de corrupção. Confira os principais pontos sobre os dois mandatos do presidente Lula.
Economia no governo Lula
A economia durante o governo Lula, em geral, gerou bons resultados tanto para os setores bancário e industrial quanto para população em geral. Os pontos destacados a seguir foram os principais responsáveis pelo programa econômico do governo petista de 2003 a 2011. É importante lembrar da crise econômica de 2008, que começou com a quebra do setor imobiliário norte-americano e, depois, se alastrou pelos demais países. Já no Brasil, graças às políticas econômicas do presidente Lula, os impactos só foram percebidos no ano seguinte e em escala reduzida.
- Crescimento do PIB: segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relacionados às Contas Nacionais Trimestrais, durante o governo Lula, o Brasil teve média de crescimento anual de 4%, superando o crescimento médio do governo FHC, que foi de 2,3% ao ano. Essa é uma média que fez o Brasil se enquadrar nos critérios dos países emergentes, na época, ao lado da Rússia, China e Índia. O aumento do PIB teve relação direta com os demais países emergentes, chamados de BRIC, porque se tornaram, principalmente a China, grandes parceiros econômicos do Brasil.
- Controle da inflação: ao sair do cargo, o ex-presidente FHC tinha deixado uma inflação de 12,53%. Em 2006, durante o final do seu primeiro mandato, o presidente Lula saiu do cargo com uma inflação de 3,14%. Seu governo acabou com a inflação em 5,90%. A estabilização da inflação também está diretamente relacionada com o crescimento do produto interno bruto (PIB), que manteve certa estabilidade, exceto em 2009, quando o Brasil finalmente sentiu os efeitos da crise econômica mundial do ano anterior (com a quebra do Lehman Brothers, que na época era o quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos).
- Geração de empregos: pelos dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério da Economia, de 2002 (um ano antes da posse de Lula) a 2010 (último ano completo do seu governo) 14.523.428 de pessoas foram empregadas, considerando as contratações públicas e privadas.
- Aumento do salário-mínimo: de acordo com a pesquisa feita pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o aumento real do salário-mínimo (ou seja, acima da taxa de inflação) foi de 53,6%. Isso estimulou a economia interna e aumentou o potencial econômico do consumidor médio, o que fez o mercado interno ter mais circulação de mercadoria e de capital (condição essencial para que a crise de 2008 não fosse tão forte no Brasil).
Políticas sociais no governo Lula
O governo de Lula foi muito marcado pelas políticas sociais de enfrentamento à pobreza, à fome e às desigualdades sociais. Veja, a seguir, alguns dos programas desenvolvimentos ao longo dos anos:
- Fome zero: foi um programa ambicioso com mais de 30 programas complementares. O principal objetivo era erradicar a fome, que, em 2002, apresentava índices altíssimos, com algo em torno de 40 milhões de pessoas passando fome. O Fome Zero era monitorado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário e tinha diversas frentes de atuação: auxílio financeiro às famílias de baixa renda, construção de restaurantes populares, distribuição de vitaminas e suplementos alimentares, criação de cisternas na região do sertão nordestino. Embora o programa tenha sido muito elogiado pela ONU e demais órgãos internacionais, ele não foi completamente bem-sucedido e teve algumas de suas pautas incorporadas ao programa Bolsa Família.
- Bolsa família: um dos programas mais importantes criados por Lula, o Bolsa Família é um programa de transferência de renda do Governo Federal sob condicionalidades que unificou outros programas já existentes (como o Bolsa Escola, Fome Zero, Auxílio Gás etc.) e os ampliou. O funcionamento do programa é simples: as famílias de baixa renda (as que possuem renda per capita de R$ 89,00 a R$ 178,00), compostas por gestantes e crianças ou adolescentes entre 0 e 17 anos ou, ainda, as famílias extremamente pobres (com renda per capita até R$ 89,00) recebem a transferência de renda desde que mantenham as crianças e os adolescentes entre 6 e 17 anos com frequência escolar e façam o acompanhamento de saúde das gestantes, as mulheres que estiverem amamentando e as crianças, todos com a carteira de vacinação atualizada. Esse programa foi muito importante para quebrar o ciclo da pobreza, por injetar o dinheiro diretamente nas camadas mais pobres e dar a elas a possibilidade de sair da linha da pobreza. De acordo com as análises dos órgãos da ONU, o Bolsa Família foi responsável por tirar o Brasil do Mapa da Fome.
- Primeiro emprego: essa foi uma das promessas de campanha que não deu certo. A proposta do programa era de empregar mais de 200 mil jovens por ano. No entanto, o programa foi deixado de lado em 2006, tendo empregado apenas 15 mil jovens.
É importante ressaltar que o êxito ou o fracasso de um programa não depende exclusivamente de um único fator. Por exemplo, embora o programa Primeiro Emprego não tenha dado certo, o número de criação de empregos aumentou consideravelmente porque outros setores da sociedade estavam crescendo. Assim como o sucesso do Bolsa Família não exclui o fato de esse programa ter problemas de monitoramento ou, ainda, que precise ser atualizado com as novas necessidades da população.
Educação no governo Lula
Os programas de inclusão social impulsionaram a entrada da população pobre e das minorias políticas nas universidades de uma forma jamais vista na história do Brasil. E essa é uma das maiores conquistas desse governo, mesmo com as falhas e os problemas que surgiram. O fato de uma pessoa pobre e preta que teve o direito à educação negado durante séculos conseguir um diploma universitário foi a maior revolução educacional que aconteceu no Brasil.
A herança escravocrata brasileira ressoa até os dias de hoje. A população negra não podia ir à escola (Lei nº 1, de 14 de janeiro de 1837). Os negros foram proibidos de se tornarem proprietários de terras (Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850). Dois anos depois da Lei do Ventre Livre e da Abolição, surge a Lei dos vadios e capoeiras (Código Penal – Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890), que prendia quem perambulasse pelas ruas sem emprego e sem residência fixa. Todas essas leis serviram para continuar o processo de exploração da população negra e (consequentemente) pobre do país. É por isso que as políticas de inclusão social e educacional foram tão fundamentais.
- ProUni (Programa Universidade Para Todos): criado do Fernando Haddad, então ministro da educação, é um programa que concede bolsas integrais ou parciais para graduação e formações específicas em instituições privadas de ensino superior. O ProUni ofereceu cerca de 600 mil bolsas de estudo em aproximadamente 1,5 mil instituições de 2005 a 2009. Dessas bolsas, em torno de 250 mil foram para estudantes que se autodeclaravam afrodescendentes.
- Criação de Universidades Públicas: o governo Lula construiu 11 Universidades Federais de 2003 a 2009. De fato, alguns campi universitários foram sucateados e não receberam as verbas necessárias, mas, durante o governo Lula, a Universidade se popularizou no Brasil e se tornou um pouco mais acessível. O que antes era privilégio da classe média-alta e dos ricos, foi, aos poucos, adquirindo maior diversidade no corpo estudantil.
- Criação do PIBID: o programa de incentivo à docência também foi criado durante a gestão de Haddad no Ministério da Educação. Para as graduações de Licenciatura, esse programa é essencial para que o discente tenha experiência com a docência já nos anos da graduação, enfrentando os problemas reais da sala de aula.
- Criação do SiSU: criado em 2010, o SiSU é uma plataforma digital unificada que integra as universidades federais e aquelas que utilizam o ENEM como vestibular. Por ser integrada, é uma ferramenta facilitadora, em que o aluno pode escolher suas opções de universidade. Como todo instrumento tecnológico, o SiSU apresenta problemas de travamento de sistema, mas continua sendo uma ferramenta interessante para os alunos do Ensino Médio.
- Casos de repetência: embora o governo tenha centrado forças na educação superior, muitos críticos ao governo expõem que a educação básica não recebeu a mesma atenção. Lula entrega o governo com alto índice de casos de repetência na educação básica.
Ainda que longe de ser perfeita, a política educacional durante o governo Lula foi muito importante para transformar o acesso à educação, sobretudo a superior, no Brasil.
Saúde no governo Lula
A pasta da saúde, durante o governo do PT, teve mais investimento no período de Dilma, com os programas da Farmácia Popular (criado em 2011) e do Mais Médicos (lançado em 2013). Lula, contudo, criou programas importantes também, como:
- SAMU: lançado em 2004, o SAMU é o Serviço de Atendimento Móvel Urbano, que, desde 2016, já atendeu 75% da população brasileira.
- Brasil Sorridente: foi um programa de saúde bucal, criado no governo Lula, que levou tratamento dentário gratuito a 83 milhões de pessoas.
No entanto, no final do segundo mandato, de acordo com os números divulgados pelo IBGE, as famílias brasileiras gastavam dez vezes mais com medicamentos do que o governo federal. Daí surgiu, no governo Dilma, o programa da Farmácia Popular.
Pensando em termos de continuidade de governo, as medidas tomadas por Lula nos outros setores impactaram diretamente o setor da saúde, por exemplo, como as estruturas administrativas de segurança alimentar e nutricional, a promoção da igualdade racial, a promoção da igualdade de gênero etc. Isso porque a fome é um problema social, mas também de saúde. O racismo e a desigualdade de gênero geram violência e os resultados dessa violência resvalam na pasta da saúde, haja vista que precisam disponibilizar recursos para cuidar das vítimas.
Política ambiental no governo Lula
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente durante quase todo o governo Lula, foi responsável por medidas muito importantes, como a redução do desmatamento e criação de reservas.
- Redução do desmatamento da Amazônia: desmentindo as fakenews do período eleitoral, o governo Lula foi, sim, responsável por diminuir o desmatamento na Amazônia. Quando Lula assumiu o governo, em 2003, a área desmatada já estava em 21.651 km² (dado referente a agosto de 2001 a julho de 2002), quando saiu do poder, em 2010, a redução foi de 67,6%, caindo para 7.000 km².
- Política Nacional de Mudanças Climáticas: essa política foi aprovada com o objetivo de reduzir a emissão de gases do efeito estufa.
Durante o governo, Lula participou ativamente das convenções internacionais sobre o clima, assinou tratados importantes para a redução de gás carbônico e investiu em fontes de energia limpa, como a eólica. O Brasil chegou a ser o 7º país que mais gerava energia eólica no mundo.
Infraestrutura no governo Lula
Um dos setores mais criticados ao longo do governo, a infraestrutura deixou a desejar, sobretudo pelo atraso nas obras e a baixa tecnologia para lidar com as telecomunicações.
- Segurança: a população carcerária cresceu 67% no primeiro matado do presidente Lula. Com isso, as prisões sofreram superlotação e os presos se encontravam em situações desumanas. Em 2007, foi criado o Pronasci (Programa Nacional de Segurança com Cidadania), a fim de ajudar os estados a capacitarem os profissionais de segurança e das forças policiais.
- Minha Casa Minha Vida: criado já no fim do governo Lula e mais bem implementado pelo governo Dilma, o programa Minha Casa Minha Vida tem o objetivo de solucionar o problema de moradia no Brasil, não só pela falta de moradias a preço popular, como também pelas altas taxas de juros para financiamentos. Críticos do programa alegam que as construções estão levando a população a morar nas periferias, aumentando a criminalidade. Por um lado, não deixa de ser verdade, por outro, o programa não é unilateral: ele precisa do auxílio e do engajamento a nível estadual e municipal. Portanto, os problemas de criminalidade não estão diretamente relacionados ao governo federal, mas também à má administração do município e do estado.
- Telecomunicação: embora tenha criado o programa Banda Larga nas Escolas em 2008, o governo Lula foi muito criticado por não investir o suficiente em tecnologia de telecomunicação.
Como já explicado, os setores não são independentes na política, muito menos atuam sozinhos. Existiu um grande investimento na infraestrutura para construção de universidades, estradas, edifícios, casas e isso gerou muitos empregos, mas também o próprio setor de infraestrutura poderia ter sido administrado de um modo melhor.
Política externa no governo Lula
Sem dúvidas, a política externa foi a pasta que mais se destacou no governo Lula e colocou o Brasil no cenário mundial. Com papel de liderança entre os países emergentes, nos BRICS, no G20 e UNASUL.
- Expansão do MERCOSUL: o bloco foi criado em 1991, mas foi somente no governo de Lula que o MERCOSUL ganhou mais relevância no cenário global, sobretudo com a participação de peso do Brasil. Lula conseguiu abrir novas rotas comerciais, bem como estreitar a relação entre o MERCOSUL e a União Europeia.
- BRICS: durante o governo Lula, o Brasil assumiu um papel fundamental no BRICS, os cinco grandes países emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e conseguiu estabelecer transações importantes, como com a China.
- G-20: nos mandatos de Lula, o Brasil se sobressaiu nas reuniões do G-20, tanto nos compromissos com o clima, como com os rumos econômicos. O presidente conseguiu encerrar seus dois mandatos com superávit primário. Segundo o Relatório de Gestão das Reservas Internacionais do Banco Central, de junho de 2011, Lula deixou uma reserva de US$ 288,57 bilhões.
Lula conseguiu, de 2003 a 2010, colocar o Brasil na pauta mundial e se fazer ser ouvido. O país deixou de ser um mero país na periferia do capitalismo para se tornar um país emergente, com potencial para estar na mesa onde se discute as grandes questões. Sendo reconhecido como líder e convidado para os grandes eventos.
O país teve grandes melhorias com os mandatos do presidente Lula, sobretudo para a população mais pobre, que saiu do mapa da fome e conseguiu chegar às universidades. Infelizmente, fatos complicados aconteceram, como os escândalos de corrupção.
Polêmicas
Assim como outros governos, o de Lula também foi marcado por casos de corrupção. Os dois mais famosos foram:
Mensalão
O Mensalão foi o caso de diversas denúncias contra a cúpula do governo que, por meio do chamado Caixa 2, comprava políticos do poder Legislativo para ter projetos aprovados. As delações foram feitas principalmente por Roberto Jefferson e teve como maior alvo o ministro da Casa Civil, José Dirceu. O processo contra Dirceu acabou em 2016 e ele foi condenado a 23 anos de prisão pelos crimes de corrupção passiva, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.
Embora o Mensalão tenha prejudicado a imagem política do presidente no final do seu primeiro mandato, Lula conseguiu recuperar sua popularidade para vencer a eleição de 2006. No total, depois da investigação, que não encontrou obstruções por parte do poder executivo, 24 políticos foram condenados.
Queda de Antonio Palocci
No final do primeiro mandato, o Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, foi acusado por Francenildo Costa de ter sido visto na chamada Casa do Lobby ou República de Ribeirão Preto, fazendo reuniões com lobistas que já tinham acusados de interferir em negócios do interesse do ministro. Em meio a esse escândalo, Lula retirou Palocci no ministério e quem assumiu foi Guido Mantega, presidente do BNDES, na época.
Houveram outros escândalos ao longo do governo, mas não ligados diretamente a cúpula do governo.
O fim do governo Lula
O governo de Lula se encerra, mas não completamente, haja vista que a próxima presidência é de Dilma Rousseff do PT, uma continuidade, portanto, do governo Lula. Muitos dos programas idealizados, iniciados ou possibilitados por Lula só foram executados no governo Dilma, como é o caso que citamos do Mais Médicos e da Farmácia Popular. Isso só deixa mais evidente como a política é um processo e que o êxito de um programa não depende de um único fator.
Resumo sobre o governo Lula
Para lembrar os principais pontos do governo Lula:
- Criação do Bolsa Família
- Expansão do MERCOSUL
- Criação de 11 Universidades
- Criação do ProUni
- Programa do SAMU
- Crescimento do PIB
- Mensalão
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Referências
A política de saúde no governo Lula – (2011) Telma Maria Gonçalves Menicucci
Lupa – lupa.uol.com.br/jornalismo (2022)
Relatório do IBGE (2004, 2006, 2007, 2009, 2010)
A Era Lula e sua questão econômica principal crescimento, mercado interno e distribuição de renda – (2014) André M. Biancarelli
O BRIC na política externa do governo Lula (2003-2010): Do conceito à coalizão – (2013) Antouan Matheus Monteiro Pereira da Silva