Ao observar a história do cinema, percebe-se que a base de sua criação e desenvolvimento ficou centrada principalmente nos Estados Unidos, França, União Soviética e Alemanha. Com a era dos estúdios, a indústria de filmes de Hollywood se tornou a mais famosa do mundo. Porém, fora desse contexto, também há o que é chamado de Cinema Internacional. Confira a seguir.
O que é Cinema Internacional
É chamado de “Cinema Internacional” todo filme criado fora dos padrões hollywoodianos, sendo importante para cada país estabelecer sua forma, com sua história, suas raízes, seus contextos, culturas etc. Durante anos, a academia do Oscar nomeou o setor de votação dos filmes produzidos fora dos Estados Unidos de “filmes estrangeiros”. Reconhecendo o caráter preconceituoso da nomenclatura, passou-se a utilizar “filme internacional” para definir os filmes não hollywoodianos.
Essa diferenciação também está relacionada ao fato de a indústria norte-americana ser global. Ela investe fortemente no lançamento de seus filmes fora do país. No Brasil, por exemplo, foi necessária uma lei para as instituições cinematográficas cederem espaço ao cinema brasileiro, tamanha a prioridade dada aos filmes dos Estados Unidos. Isso mostra que os trabalhos de outras nacionalidades funcionam como forma de resistência e enfrentamento aos moldes americanizados de se fazer cinema.
Importantes polos de cinema não-hollywoodianos no mundo
Quando o assunto é a indústria hollywoodiana, é preciso entender que ela é a mais famosa e não a maior do mundo. Segundo Sabadin (2018), alguns países, como Índia e Nigéria, superam Hollywood em número de produções. A seguir, confira alguns polos importantes do Cinema Internacional, não só pelo número de filmes produzidos por ano, mas também pela linguagem cinematográfica.
Cinema latino-americano
Pensar o cinema latino-americano é pensar uma diversidade cultural complexa e difícil de ser rotulada. Em uma tentativa de sintetizar as semelhanças temáticas e formais das produções, pode-se elencar o contexto periférico, a individualidade do íntimo de seus personagens e a influência política dos seus países. Porém, ainda assim, os filmes não se limitam a esses temas.
A pluralidade pode ser justificada pelo panorama da década de 60, quando havia tanto um governo de direita totalitário no Brasil quanto o comunista em Cuba. O cinema novo, na década de 60, tornou o Brasil o mais importante polo cinematográfico do continente.
Também nos anos 60, cineastas mexicanos desenvolveram a revista Nuevo Cine (Novo Cinema), com o intuito de trazer algo além de comédias e musicais de perfil mercadológico. Eles cobravam filmes mais políticos e com aspectos culturais que simbolizassem a luta de seu povo. No México, o filme que melhor representou essa empreitada foi En el balcón vacio (1961). A emigração de Luis Buñuel da Espanha para o país em questão impulsionou o movimento, e as narrativas com tons mais artísticos, surrealistas e críticos se tornaram mais presentes.
Outro polo importante foi a Argentina. Já na década de 50, o país tinha em Leopoldo Torre Nilsson o seu principal cineasta, premiado em Cannes com o filme La casa del ángel (1957). Porém, o auge do cinema argentino veio posteriormente com os filmes de caráter político, fugindo dos padrões hollywoodianos. Como afirma Philip Kemp: “a América Latina da década de 1960 era uma região onde o cinema não podia se dar ao luxo de não ser político” (p. 267).
Nesse campo político, mesmo saindo de ditaduras, os governos democráticos pouco investiam e chegavam mesmo a aniquilar o cinema. No Brasil, a reestruturação se deu com a lei de incentivo fiscal. Assim, o investimento chegou até talentosos diretores, como Walter Salles (Central do Brasil) e Fernando Meirelles (Cidade de Deus). Pelo México, naquele momento, pouco se imaginava que os três diretores do novo cinema mexicano se tornariam vencedores do Oscar, sendo eles Alfonso Cuaron (E sua mãe também e Gravidade), Alejandro Iñarritu (Birdman e Amores Brutos) e Guillermo Del toro (O labirinto do fauno e A forma d’água).
Segundo Philip Kemp (2018), o denominador comum que une todos esses diretores não é o estilo, mas a atitude. E isso justamente pela fuga dos moldes de Hollywood e o foco em relatar os problemas políticos, sociais e mesmo psicológicos de seus países, refletindo sobre o que significa ser latino-americano depois de anos de luta.
A seguir, veja alguns importantes e representativos títulos do cinema latino-americano:
- O Abraço da Serpente, Ciro Guerra, 2015;
- A teta assustada, Claudia Llosa, 2009;
- Machuca, Andrés Wood, 2004.
Cinema indiano
A India possui o maior número de produções de filmes no mundo, uma média de 1700 por ano. A cidade de Bombai (hoje Mumbai) gerou a Bollywood, uma referência ao distrito estadunidense. A maioria das produções é distribuída apenas dentro da Índia, e suas características estão, geralmente, ligadas ao gênero romance-musical, com tons novelescos e narrativas bem simples, fórmula de sucesso que já dura anos no país.
Em 2008, Danny Boyle dirigiu “Quem quer ser um milionário?”, como uma forma de homenagear o cinema indiano. A produção levou o Oscar de melhor filme, além de outras categorias. O principal representante desse cinema é o diretor Satyajit Ray, que recebeu um Oscar honorário em 1992. Suas principais obras foram A Canção da Estrada (1955) e O Mundo de Apu (1959).
Por falar nessa premiação, o cinema indiano teve três indicações em toda a sua história, porém nunca ganhou nada. O último a ser reconhecido pela academia foi Lagaan: era uma vez na Índia, do diretor Ashutosh Gowariker, em 2001. Em seu enredo, o filme conta a história de um jovem protestante contra um capitão britânico que cobra altos impostos dos habitantes de uma vila. O britânico ainda ameaça aumentar os impostos caso o time de cricket (esporte muito popular no país) do bairro perca para os ingleses. Assim, percebe-se que as intrigas das narrativas permeiam o cotidiano indiano.
Seguem alguns filmes importantes:
- A sala de música, Satyajit Ray, 1958
- As vezes feliz, as vezes triste, Karan Johar, 2001
- O amanhã pode não chegar, Nikhil Advani, 2003
Cinema iraniano
O contexto político do Irã sempre foi de muita violência. As quedas e ascensões de seus líderes influenciaram no campo cinematográfico do país, tanto em questão de mercado quanto no campo ideológico. Quando Aiatolá Khomeini assumiu a liderança suprema do país, em 1979, as produções foram proibidas. Produzir filmes era “coisa de gente ligada ao xá Mohammad Pahlavi”, líder rival que antecedeu Khomeini.
Após a revolução, cerca de 180 cinemas foram demolidos. Passados quatro anos, a força ideológica, que remetia ao governo rival, começou a perder força, e foi criada a Fundação Farabi de Cinema, que supervisionava o investimento direcionado às produções culturais. Em um ano, 22 filmes foram produzidos. O que foi um grande número dentro de um contexto de resistência.
Nessa primeira leva de filmes iranianos, o primeiro cineasta a ficar mais reconhecido foi Mohsen Makhmalbaf. Com O ambulante (1989), filme que retrata a pobreza no país, o diretor conseguiu reconhecimento internacional. Não demorou muito para também criticar o sistema político do país e ter filmes proibidos. Um deles foi Tempo de amor (1990), até hoje censurado por trazer reflexões quanto a liberdade da mulher no país, questionando o matrimônio e a justiça no Irã. Isso, porém, não impediu que o longa rodasse pelo mundo e o iraniano tivesse reconhecimento. Segundo Philip Kemp (2011), seus filmes exibiam um estilo visual lírico que cativou plateias estrangeiras.
Entretanto, o melhor ainda estava por vir: Abbas Kiarostami se tornaria o principal nome do cinema iraniano, com sua trilogia Koker, formada pelas obras Onde fica a casa do meu amigo (1987), Vida e nada mais (1992) e Através das Oliveiras (1994). Anos depois, ele ganhou o Palma de Ouro em Cannes por Gosto de cereja (1997) e o Leão de Ouro em Veneza por O vento nos levará (1999).
Seus filmes navegam entre o documental e a ficção, sempre com personagens do cotidiano de seu país, relatados com muita sensibilidade e poesia. Aliás, essa marca permeia todo o cinema iraniano, em que a grande maioria de diretores e diretoras assinam seus filmes explorando muito bem a cultura local, a partir da intimidade de seus personagens em situações que emergem as suas sentimentalidades.
Onde é a casa do meu amigo, por exemplo, narra a saga incessante de um pequeno menino em busca da casa do amigo para lhe entregar um trabalho escolar. Uma premissa simples, porém, muito bem executada, que sinaliza a perspectiva infantil sobre suas necessidades, muitas vezes ignoradas pelos adultos, preocupados com outras responsabilidades. Além disso, mostra a empatia infantil, a inocência mesclada com a coragem quando querem evitar consequências dolorosas, mesmo que essas sejam para afetar o outro.
Alguns filmes para conhecer:
- Close-up, Abbas Kiarostami, 1990
- Filhos do Paraiso, Majid Majidi, 1997
- A separação, Asghard Farhadi, 2011
Cinema sul-coreano
Até 1993, a Coreia do sul vivia sob um baixo investimento estatal que praticamente anulava o número de produções. Porém, no caminho inverso do cinema iraniano, o novo governo quis ser reconhecido pelo crescimento do cinema no país. O perfil foi construído para agradar ao público local, mas sem deixar de ser um bom produto para o mundo.
Com o investimento, logo surgiu a Korean Wave (onda coreana) no final da década, em que os longas coreanos passaram a fazer sucesso pelo continente. Hong Sang-soo foi o principal nome desse momento com o filme O dia em que o porco caiu no poço (1996). O ápice chegaria com a tríade Kim Ki-duk, Chan Wook-park e Bong Joon-ho. O primeiro, embora tenha estreado com o violento A ilha (2000), posteriormente, tornou-se um dos diretores mais poéticos do cinema mundial, principalmente com a obra Primavera, verão, outono, inverno e… primavera (2003).
Por falar em violência, o segundo chocaria pela ultraviolência em sua trilogia da vingança com Mister Vingança (2002), Oldboy (2003) e Lady Vingança (2005). O filme de 2003 foi o mais premiado, levando o prêmio do júri em Cannes, no mesmo ano.
Já o terceiro, Bong Joon-ho, a princípio apenas pegaria carona no sucesso que esses outros nomes levavam para o cinema sul-coreano. Porém, não demorou muito para ganhar um lugar notório, e isso já desde antes de ele vencer o Oscar histórico por Parasita (2019), o primeiro filme de lingua não-inglesa a vencer o prêmio principal da academia. Memórias de um assassino (2003) foi a sua chamada de atenção, que fez os festivais voltarem o olhar para o seu estilo. Em 2006, o filme O hospedeiro se tornaria a maior bilheteria da história da Coreia do sul.
Nesse filme, o espectador acompanha a vida de uma família simples, que possui uma venda à beira de um rio. Após a aparição de um monstro nesse mesmo rio, a caçula da família é levada pela criatura. Junto a isso, o atrapalhado pai da menina é perseguido pelo Estado, por ter tido contato direto com o monstro. A aventura se dá na fuga desses familiares em busca da criança. A mescla de gêneros é bem demarcada, além das críticas à alienação e à irresponsabilidade do Estado frente aos acontecimentos emergentes.
Assim, se Kim Ki-duk possui um estilo muito filosófico de se fazer filme e Chan-wook Park é reconhecido pela violência em narrativas emblemáticas, Bong tem sempre uma crítica social, principalmente ligada a questões de classe. Há ainda uma pitada de crítica ao ocidente, principalmente à sociedade norte-americana, e um misto de gêneros que fluem de modo muito orgânico em seus filmes, deixando o espectador tenso, porém com o riso na boca.
Filmes que valem a pena assistir:
Cinema nigeriano
Assim como a indústria indiana batizou-se como Bollywood, a nigeriana assumiu o nome de Nollywood. Segundo Celso Sabadin (2018), o governo do país registrou 1.844 filmes produzidos durante o ano de 2014, gerando um faturamento de 3,3 bilhões de dólares. Tudo com distribuição interna, tendo como fórmula o baixo orçamento, mas com produção ágil e pouca burocracia no momento de distribuir. As histórias populares são a receita do sucesso de público. Entretanto, poucos filmes nigerianos obtiveram sucesso nos principais festivais de cinema pelo mundo até hoje.
Vale, porém, destacar os sucessos de críticas Sete anos de sorte (2009), de Kunle Afolayan; e Ijé: The journey (2010), da diretora Chinese Anyaene. O primeiro narra a história de dois amigos que encontram uma escultura em uma floresta e decidem levá-la para casa. Esse objeto místico reserva sete anos de sorte para seu dono. Porém, ele também carrega uma maldição: expirados os sete anos de sorte, tem-se o mesmo período de azar. O filme demarca, mais uma vez, uma crença popular dentro de um contexto dramático e tenso. Já o filme de 2010, traz a intrigante história de uma mulher nigeriana que viaja até os Estados Unidos para ajudar a sua irmã acusada de matar três homens, incluindo o marido.
Outros filmes para conhecer são:
Muito se falou aqui sobre o cinema de Hollywood como um padrão formal de se fazer filmes. Vale a pena conhecer mais sobre Hollywood e Cinema para entender melhor essa indústria.
Referências
A história do cinema para quem tem pressa (2018) – Celso Sabadin
História do Cinema mundial (2008) – Fernando Mascarello
Tudo sobre cinema (2007) – Philip Kemp