Um dos maiores poetas brasileiros, Carlos Drummond de Andrade foi autor de grandes poemas, como “A máquina do mundo”, “Procura da poesia” e “José”. Conheça dados sobre a vida e obra do poeta e alguns dos seus poemas.

Biografia

Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, em 1902, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1987. Ele foi cronista, contista, tradutor, farmacêutico, funcionário público e um dos maiores poetas brasileiros. Sua obra está associada à segunda fase do modernismo no Brasil.

Filho de fazendeiro, Drummond recebeu uma educação privilegiada. Ele estudou em colégios tradicionais, como o Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte, e no Colégio Anchieta, de jesuítas, em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. Em 1920, foi morar em Belo Horizonte com a família e, no ano seguinte, publicou seus primeiros trabalhos no Diário de Minas. Assim, começou a se envolver com o cenário literário mineiro e com alguns escritores da época, como Milton Campos, Emílio Moura, Pedro Nava, Alberto Campos, entre outros.

Em 1922, venceu o concurso da Novela Mineira, com o conto “Joaquim do Telhado”. No ano seguinte, ingressou na Universidade. O poeta se formou em Farmácia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Ele escolheu esse curso porque era o mais rápido, uma vez que não tinha vontade de seguir com a carreira acadêmica.

Em 1925, casou-se com Dolores Dutra de Morais, com quem teve dois filhos, Carlos Flávio, natimorto, e Maria Julieta. Carlos Drummond de Andrade teve uma vida muito ativa no cenário literário brasileiro. Conheça um pouco da sua produção literária a seguir.

Produções literárias de Carlos Drummond de Andrade

Como já exposto, as primeiras publicações de Drummond foram no Diário de Minas, em 1921. Entretanto, em 1925, com a criação de A Revista, junto com Emílio Moura, Martins de Almeida e Gregoriano Canedo, o poeta ganhou uma maior visibilidade.

O objetivo d’A Revista era divulgar a literatura modernista em Minas Gerais. Isso não aconteceu apenas no estado mineiro, mas no país inteiro. Entre as revistas modernistas, estão a Klaxon (1922), Revista de Antropofagia (1928), Estética (1924) e A Festa (1927).

Com a publicação do escandaloso e provocante (para a época) poema “No meio do caminho”, na Revista de Antropofagia, em 1928, Drummond ganhou notoriedade no Brasil. Depois disso, em 1930, publicou seu primeiro livro “Alguma Poesia”; em 1934, “Brejo das Almas”; e em 1940, “Sentimento do Mundo”. Os três livros tiveram a primeira edição limitada, com no máximo 300 exemplares. “Sentimento do Mundo”, por exemplo, teve apenas 150 exemplares, distribuídos entre amigos e escritores. Sua primeira publicação em uma editora de prestígio foi em 1942, com “Poemas”, pela José Olympio.

Carlos Drummond de Andrade, além das crônicas semanais nos jornais, publicou obras infantis e foi tradutor de grandes escritores, como François Mauriac, Laclos, Balzac, Marcel Proust, García Lorca, Molière, Knut Hamsun, entre outros.

Drummond e o Modernismo

O Modernismo foi um importante movimento artístico-cultural, que teve como marco inicial a Semana de Arte Moderna (ou Semana de 22). Influenciados pelos movimentos das vanguardas europeias, os artistas brasileiros (escritores, pintores, músicos, atores etc.) se juntaram no Teatro Municipal de São Paulo, de 13 a 17 de fevereiro de 1922, para realizar uma manifestação artística e cultural.

No cenário literário brasileiro, o Modernismo é dividido em três fases: a primeira (1922-1930), conhecida como a fase heroica ou de destruição; a segunda (1930-1945), chamada de Geração de 30; e a terceira (1945-1960), tratada por Geração de 45.

Embora tenha publicado seu poema de ‘estreia’ em 1928 e seu primeiro livro em 1930, geralmente, Drummond é classificado como um poeta da Geração de 30. No entanto, sua poesia transgride a rigidez dessas nomenclaturas por dois motivos: 1) o poeta viveu muito e escreveu por mais de 60 anos, fato que o permitiu transitar pelas tendências literárias; 2) a poética drummondiana tem uma pluralidade de temas e formas. No próximo tópico, entenda as principais características de sua obra poética.

Principais características

Conforme exposto, a obra de Drummond não se limita à segunda fase do modernismo, porém carrega algumas das características e conquistas do movimento. Além disso, incorpora elementos de movimentos anteriores e posteriores ao modernismo.

Justamente pela amplitude e pela diversidade poética da obra drummondiana, sua Fortuna Crítica (estudos sobre a obra) conta com algumas vertentes de análise. Essas são subdivididas em duas categorias: análise global da obra e análise parcial, considerando períodos e ou livros. Dentro das análises parciais, o objetivo é compreender o interior de uma determinada obra. Ao passo que nas análises globais o objetivo é entender a obra como um projeto literário. Nesse contexto mais geral, há duas vertentes de análise que mais se destacam entre os críticos literários. Entenda a seguir.

Tripartição da obra ou as três fases

A Tripartição da obra é uma análise muito difundida nos meios didáticos e apresenta Drummond em três fases: poesia de humor, poesia social e poesia filosófica. Essa vertente foi aprofundada por Affonso Romano de Sant’Anna. O crítico propõe que a poética drummondiana é representada pela dialética entre o eu e o mundo.

  • Eu maior que o mundo: nessa fase, a principal característica é o uso do humor e da ironia. O eu lírico constrói sua poesia influenciado pela Semana de 22, propõe os poemas de “blagues“, desafia a ordem estética, como nos quiasmos (um recurso estilístico) de “tinha uma pedra no meio do caminho/ no meio do caminho tinha uma pedra” – No meio do caminho. É também nessa fase em que a individualidade é mais pungente, como em “mundo mundo vasto mundo,/ mais vasto é o meu coração”. – Poema de sete faces.
  • Eu menor que o mundo: engajado na poesia social, o poeta se entende menor que o mundo, porque tem que se alinhar aos seus companheiros. Nessa fase, o mundo é pesado demais, marcado por guerras (Segunda Guerra Mundial e ditadura de Getúlio Vargas). A individualidade é substituída pela necessidade da ação coletiva. – Elegia 1938.
  • Eu igual ao mundo: finalmente o poeta encontra o equilíbrio e não se sobrepõe, tampouco se diminui face ao mundo, mas entende a relação de coexistência. Esse é o momento da poesia contemplativa, que evoca a memória, a filosofia e o amor. Nessa fase, a poesia de Drummond se remodela, porque percebe que o verso é um “verso universo” – Canto Órfico, maior que assuntos imediatos.

Coerência temático-formal e coesão lírica

Outra vertente muito discutida em sua Fortuna Crítica, mas menos difundida nos meios didáticos, é a proposta por Antonio Candido, Alcides Villaça e, em certa medida, José Guilherme Merquior. Esses críticos literários compreendem a obra de Carlos Drummond de Andrade como um projeto literário, ou seja, analisam pelo ponto de vista global e defendem a existência de uma coerência na pluralidade de temas e formas, bem como uma coesão no lirismo.

Diferentemente de Sant’Anna, que apresenta três fases de um eu lírico, na análise proposta por Candido e Villaça há uma coesão. O eu lírico possui determinadas características e posicionamentos frente à poesia e ao mundo, assim, constrói seus poemas de modo plural. É porque o eu lírico precisa existir e se expressar nesse mundo complexo e caótico que os poemas precisam de recursos plurais.

Segundo essa vertente, a forma do poema serve ao tema, assim como o tema serve à forma, uma vez que forma e conteúdo são indissociáveis. A dialética é um movimento da poética drummondiana, mas não é aquela enunciada por Sant’Anna, limitada aos extremos (ou é maior, ou é menor ou é igual). É uma dialética que condiz com as contradições do mundo e da própria linguagem, que se preocupa com os entremeios, com o processo, com o pensar o poema.

A principal ideia é que o eu lírico se desenvolve à medida que sua poesia se desenvolve. Os diferentes temas fazem parte da construção da subjetividade desse eu lírico, assim como os diversos recursos estilísticos. Portanto, para essa vertente, não existe fase um, dois e três, mas, sim, um desenvolvimento espiral, que retoma temas e formas e se supera.

Os temas são os elementos constituintes do eu lírico. Minas, Itabira, o jeito de ser mineiro, por exemplo, são motes da poesia de Carlos Drummond de Andrade, porém não estão restritos a uma única forma ou a um único poema. Pelo contrário, a subjetividade do eu lírico (não confundir o eu lírico com o autor) é construída a partir de alguns fundamentos, como a personalidade mineira, o sentimento de despertencimento, a timidez, a revolta e a náusea com o mundo moderno.

Por ser um poeta de grande envergadura, a Fortuna Crítica de Drummond é vasta. Outros críticos que valem a pena ser mencionados são: Vagner Camilo, John Gledson, Iumna Simon, Francisco Achcar, Davi Arrigucci Jr., Fernando Talarico, José Miguel Wisnik, Gilberto Mendonça Teles, Silviano Santigo etc.

Algumas obras e poemas

É difícil elencar qual o melhor livro de Drummond, mas, talvez dado ao seu impacto social, a “Rosa do Povo” seja sua obra mais importante. Também é quase impossível elencar o seu poema mais famoso, no entanto, quando se diz o nome Drummond, alguns poemas imediatamente são lembrados, como “No meio do caminho”, “A máquina do mundo”, “José” e “A flor e a náusea”. Confira suas principais obras:

  • Alguma Poesia (1930): seu livro de estreia é marcado pela influência da primeira fase do modernismo e traz o famoso poema “No meio do caminho”. Os poemas possuem temáticas mais efêmeras e a presença da ironia é muito marcada. Em questão de forma, por estar na esteira da Semana de 22, reinam os versos livres e a quebra da rima.
  • Sentimento do Mundo (1940): esse livro é o começo da poesia explicitamente engajada. Nele, Drummond expressa suas angústias do mundo afundado em guerras e destruição (Segunda Guerra Mundial e a ditadura de Vargas). Os poemas são mais longos, inclusive, aparece sua primeira elegia (um gênero lírico), a “Elegia 1938”. É também o livro que abriga o poema “Mãos dadas”, muito importante para os movimentos de resistência.
  • José (1942): uma coletânea curta, com 12 poemas. “José” é o livro responsável por trazer à cena cultural o icônico poema “José”. Ainda aflito com as questões sociais e influenciado pelos horrores da Segunda Guerra, Drummond reflete sobre a solidão, o sentimento de impotência e de culpa, como no poema “A mão suja”. Além disso, reflete mais explicitamente sobre a linguagem, expressa no poema “O lutador”.
  • Claro Enigma (1951): talvez esse seja o livro mais controverso de Drummond e motivo de grandes discussões teóricas até hoje. Ele é marcado por formas clássicas, como sonetos, esquemas métricos e rimas, completamente diferente dos livros anteriores. “Claro Enigma” é composto por 41 poemas e dividido em seis partes temáticas. Um dos motes mais trabalhados é a dissolução, o esvanecimento, a reflexão sobre questões metafísicas e relativas ao ser. A obra abriga o melhor poema brasileiro de todos os tempos, segundo uma seleção de críticos escolhidos pelo jornal Folha de S. Paulo no início dos anos 2000: “A máquina do mundo”. Um majestoso poema em tom épico que dialoga diretamente com Dante e Camões.
  • Antologia Poética (1962): Drummond foi um dos primeiros poetas brasileiros a organizar sua própria antologia. Esse é um fator consideravelmente importante para a Fortuna Crítica, sobretudo para compreender o conjunto da obra, pois a organização do autor se torna um caminho de análise. O livro é dividido em nove seções temático-conceituais, como o próprio Drummond diz: “o leitor encontrará assim, como pontos de partida ou matéria de poesia: 1) o indivíduo; 2) a terra natal; 3) a família; 4) amigos; 5) o choque social; 6) o conhecimento amoroso; 7) a própria poesia; 8) exercícios lúdicos; 9) uma visão, ou tentativa de, da existência” (ANDRADE, 2012, p.15).

A Rosa do Povo (1945)

A “Rosa do Povo” (1945) é a obra mais importante de Drummond. Uma coletânea necessária no cenário literário brasileiro, de acordo com alguns críticos, o auge da poesia drummondiana. Dois metapoemas abrem o livro, “Consideração do poema” e “Procura da poesia”. Em seguida, os temas da poesia social são trabalhados de um modo muito mais maduro do que em “Sentimento do Mundo”.

O eu lírico se coloca no mundo em crise e assume um posicionamento crítico em relação aos fatos. Em “Sentimento do Mundo”, o tom é mais pessimista, e em “A Rosa do Povo”, a postura é combativa. O poeta não ignora as mazelas do sistema em nenhum nível, trabalha as questões tanto na ordem do cotidiano quanto na ordem de movimentações políticas e culturais.

A subjetividade não é posta de lado, mas, sim, incorporada ao momento histórico. Poemas como “O elefante” e “O mito” expressam o deterioramento das relações sociais em um período de ascensão do capitalismo ainda com resquícios do nazifascismo. Ao mesmo tempo, o poema “Carrego comigo” é responsável por exprimir o peso de carregar a própria existência nesse “mundo caduco”. Em “Mãos dadas” e “O medo”, o eu lírico consegue expressar, pela lente subjetiva, como o medo encalcado na população molda as ações individuais.

Da mesma forma, a categoria da classe social é muito bem representada no livro, por exemplo, nos magníficos versos “Preso à minha classe e algumas roupas,/ vou de branco pela rua cinzenta./ Melancolias, mercadorias espreitam-me./ Devo seguir até o enjoo?/ Posso, sem armas, revoltar-me?” – “A flor e a náusea”. O tema também está presente em “Telegrama de Moscou”, “Morte do Leiteiro”, “Nosso tempo” etc.

Drummond consegue trabalhar bem as contradições presentes no mundo. Ao mesmo tempo que exorta as ações coletivas, reflete sobre o ceticismo provocado pelo sentimento de angústia e desamparo. Ele expõe os problemas sociais, sem deixar de falar das inquietudes humanas.

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

José

José, de Carlos Drummond de Andrade (1942)

A poesia de Carlos Drummond de Andrade deveria ser reconhecida mundialmente tal qual a de grandes poetas, como Walt Whitman e Baudelaire. Isso só não acontece porque o poeta viveu em um país que, além de estar na periferia do capital, enfrenta a barreira linguística do Português (não tão difundido como o Inglês e o Francês).

5 frases de Carlos Drummond de Andrade

Veja algumas frases famosas do poeta que expressam um pouco de seu pensamento.

  1. Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade.
  2. Há certo gosto em pensar sozinho. É ato individual, como nascer e morrer.
  3. A liberdade é defendida com discursos e atacada com metralhadoras.
  4. Meu verso é minha consolação.
  5. A educação para o sofrimento, evitaria senti-lo, em relação a casos que não o merecem.

Drummond foi um grande poeta, não só conseguiu representar as angústias de seu tempo, mas também as questões eternas da humanidade: a existência, a felicidade, a solidão e o sofrimento.

Curiosidades sobre Carlos Drummond de Andrade

Nem só de poesia vive o poeta! Veja algumas curiosidades sobre a vida do mineiro:

  • Em 1919, Drummond foi expulso do Colégio Anchieta da Companhia de Jesus, pois discutiu com seu professor de Português. O motivo da expulsão foi “insubordinação mental”.
  • Em 1987, a escola de samba Estação Primeira de Mangueira homenageou Drummond no Carnaval com o enredo “O Reino das Palavras” e teve seu enredo como o vencedor do Carnaval Carioca.
  • Chico Buarque usou diversos poemas de Drummond em suas músicas, como o “Poema das sete faces” na música “Até o fim”, o poema “Quadrilha” na música “Flor da Idade” e o mote do poema “Construção” serviu de inspiração para a música homônima do compositor.
  • Além de tradutor, também foi traduzido por Elizabeth Bishop, poeta norte-americana.
  • Foi membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas depois se desfiliou por desavenças ideológicas com os rumos do partido.
  • Carlos Drummond de Andrade teve sua efígie impressa nas notas de NCz$ 50,00 (cinquenta cruzados novos) em circulação no Brasil entre 1988 e 1990.

Embora tenha escrito “eta, vida besta, meu Deus!”, a vida de Drummond foi cercada de arte. Viveu em um momento político muito intenso e, sem dúvida, foi uma das principais figuras do cenário cultural de sua época.

Gostou dessa matéria? Além do Modernismo, que Drummond vivenciou, há muitos outros movimentos literários. Aproveite para aprender sobre a Poesia Visual, que explora as dimensões da linguagem verbal e não verbal.

Referências

Antologia Poética (2012) – Carlos Drummond de Andrade
A Rosa do Povo (2012) – Carlos Drummond de Andrade
Claro Enigma (2012) – Carlos Drummond de Andrade
Drummond: o ser gauche no tempo (1992) – Affonso Romano de Sant’Anna
Inquietudes na poesia de Drummond (2017) – Antonio Candido
Consciência Lírica em Drummond (1976) – Alcides Villaça
Verso e Universo em Drummond (2012) – José Guilherme Merquior
Drummond: da Rosa do Povo à Rosa das Trevas (2005) – Vagner Camilo

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